Café pode ou não aumentar risco de câncer? Pesquisador da USP explica

Por mais de 20 anos, pairavam na literatura científica evidências de que o bom e velho café poderia ser vilão da saúde: em 1991, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc), da Organização Mundial da Saúde (OMS), lançou uma atualização a respeito da bebida, popular ao redor do mundo, rotulando-a como “possivelmente carcinogênico para humanos.”
A revisão se baseou em um conjunto de estudos que ligavam o café a um maior risco de carcinoma urotelial, o câncer de bexiga, um dos tumores mais comum do trato urinário e dos que mais atingem homens no Brasil.
Mas com o passar do tempo e o surgimento de análises mais estruturadas, esse temor foi se dissipando entre especialistas, escreve Hamilton Roschel, coordenador do grupo de pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e Esporte e da Faculdade de Medicina da USP, em publicação do Jornal da USP.
Estas primeiras pesquisas nos anos 90 "eram principalmente estudos caso-controle, que comparam pessoas que já têm câncer com pessoas saudáveis, perguntando sobre seus hábitos passados. O problema? Nossa memória é falha e tendenciosa, especialmente quando estamos doentes e tentando entender 'por que eu?', diz Roschel.
O café aumenta risco de câncer?
Com o tempo surgiram estudos prospectivos (aqueles que acompanham voluntários e pacientes por longos períodos de tempo) e meta-análises que apontam: muito pelo contrário, o café até ajuda a evitar a doença. "Análises combinando dezenas de estudos mostram que os bebedores de café têm, em média, um risco aproximadamente 18% menor de desenvolver qualquer tipo de câncer quando comparados aos abstêmios da bebida", comenta o especialista.
O efeito mais claro é sobre o câncer de fígado. "Pessoas que tomam três a quatro xícaras diárias têm aproximadamente 40% menos chance de desenvolver esse tipo de tumor. Para o câncer de endométrio a proteção também é substancial", adiciona Roschel. "No caso específico do fígado, o café parece melhorar a função hepática e reduzir a fibrose (cicatrização), criando um ambiente menos propício para o desenvolvimento de tumores."
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Estudos também ligam o café à uma redução do risco de diabetes tipo 2, à melhora da função hepática e um aumento da expectativa de vida. Para se beneficiar completamente, claro, é preciso aliar esse hábito a outros comportamentos em prol da saúde: evitar o sedentarismo, adotar uma dieta balanceada, etc.
Em 2016, vale dizer, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) voltou atrás na rotulação realizada em 1991, deixando de caracterizar o café como um cancerígeno.
Homem tomando café
Nguyễn Lê Thái Sơn / Unsplash
O que faz do café um aliado contra o câncer?
O café é uma bebida complexa formada por múltiplos compostos com ações variadas - bebê-lo, por exemplo, pode aumentar a resistência do corpo à insulina (níveis elevados dela são ligados a maiores incidências de câncer). Uma publicação do Instituto Americano para a Pesquisa do Câncer (AICR, na sigla em inglês), realizada em junho, lista os principais componentes benéficos da bebida:
Ácido clorogênico: antioxidante, pode ajudar a reduzir a inflamação.
Ácido quínico: o fitoquímico que contribui para o sabor ácido do café. É um precursor na produção do ácido clorogênico.
Kahweol e cafestol: dois compostos que podem ter propriedades anti-inflamatórias e anticancerígenas.
N-metilpiridínio: composto formado durante a torrefação dos grãos de café. Pode aumentar a atividade antioxidante;
Quanto café tomar?
Tudo na vida tem a dose correta. Tanto o pesquisador quanto a publicação do AICR sugerem que uma pessoa tome de duas a quatro xícaras de café por dia para receber os benefícios da bebida - vale mesclar cafeinado e descafeinado caso tenha sensibilidade à cafeína.
No entanto, aqui vão alguns alertas: considere evitar adoçar o café com açúcar, para controle das calorias consumidas (2 colheres de chá equivalem a 32 kcal). E fique esperto à temperatura do cafézinho. A ingestão frequente de líquidos muito quentes cria lesões no esôfago que aumentam o risco de câncer na região.





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