Existe profissão feliz? O mito do “trabalhe com o que ama” e os limites do bem-estar no trabalho
Paixão pelo trabalho não garante realização profissional, aponta especialista ao destacar o peso do propósito, da saúde mental e do ambiente
Renata Livramento — Psicóloga | Doutora em administração | Especialista em gestão de saúde corporativa A ideia de que basta amar o que se faz para ser feliz profissionalmente se tornou uma das mensagens mais repetidas da era moderna. Presente em palestras, redes sociais e slogans corporativos, o mantra “trabalhe com o que ama e nunca mais precisará trabalhar” parece inspirador, mas, na prática, é um conselho perigoso e incompleto.
Para a psicóloga e especialista em saúde corporativa Renata Livramento, a felicidade profissional não depende apenas da paixão pelo ofício, mas de um conjunto de fatores que envolvem propósito, equilíbrio emocional e um ambiente saudável para exercer a própria vocação. “Amar o que se faz é importante, mas não basta quando o contexto é tóxico, quando a carga é desumana ou quando a pessoa perde o limite entre vida pessoal e trabalho”, explica.
O mito da paixão como solução universal
Segundo o estudo realizado pela Vittude em parceria com o Opinion Box, 40% dos profissionais brasileiros veem o trabalho como fonte significativa de estresse e desgaste mental. Além disso, 34% afirmam que suas empresas não adotam práticas voltadas à saúde mental, e 36% dizem que, mesmo onde há programas, os resultados esperados não aparecem.
Para Renata Livramento, os dados revelam o limite do discurso motivacional que domina o mundo corporativo.
“Existe uma romantização da entrega total, do ‘vestir a camisa’, que faz as pessoas acreditarem que o sofrimento é parte natural do sucesso. Essa mentalidade está no cerne do burnout e do adoecimento emocional”, afirma.
A especialista reforça que a paixão pelo trabalho pode até mascarar os sinais de desgaste, mas não os elimina. “É comum ver profissionais altamente engajados que seguem produzindo mesmo exaustos. Isso é o que chamamos de burnon, quando a pessoa está esgotada, mas continua operando no automático.”
Felicidade profissional não é um estado — é uma construção
Pesquisas da Universidade da Califórnia (Berkeley) indicam que a satisfação profissional está muito mais associada à autonomia, senso de propósito e boas relações de trabalho do que ao amor pela atividade em si. Em outras palavras, não é o que se faz, mas como e com quem se faz que determina o bem-estar no trabalho.
“Pessoas felizes no trabalho não são aquelas que nunca enfrentam dificuldades, mas as que se sentem seguras para expressar limites, pedir ajuda e equilibrar entrega com descanso”, explica Renata.
Ela alerta que o discurso da “profissão feliz” pode, paradoxalmente, gerar culpa.
“Quando alguém não se sente realizado, passa a acreditar que o problema é pessoal — como se não amar o que faz fosse uma falha. Isso é cruel, porque desconsidera fatores estruturais como liderança, cultura, reconhecimento e condições de trabalho.”
Propósito com limite: o novo equilíbrio possível
O desafio das organizações, segundo Renata, é entender que propósito não substitui gestão emocional nem políticas de cuidado. “De nada adianta incentivar o colaborador a encontrar sentido no que faz, se ele não tem tempo para viver, se está sobrecarregado ou se o ambiente não respeita seus limites.”
Para ela, o bem-estar profissional nasce da coerência: entre discurso e prática, entre o que a empresa valoriza e o que realmente entrega. “Não existe profissão feliz em ambiente doente. O que existe é gente saudável construindo relações saudáveis de trabalho”, conclui.
Saiba mais sobre o trabalho da Renata Livramento: renatalivramento.com.br | @renata.livramento
Fonte: Renata Livramento — Psicóloga | Doutora em administração | Especialista em gestão de saúde corporativa





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