Por que tem crescido o número de mulheres diagnosticadas com câncer de mama antes dos 40 anos?
 
 
     No ano passado, enquanto se vestia para sair, a relações-públicas Isabela Valente, de 33 anos, percebeu o seio esquerdo inchado. A preocupação durou alguns segundos, mas o inchaço permaneceu. Duas semanas depois, a lateral da mama endureceu. Foi então que ela decidiu procurar um médico. “Tentei não pensar em câncer, apesar de ter casos da doença na família”, conta. Ao receber o diagnóstico, o medo se concretizou: estava em princípio de metástase – o tumor do tipo HER2, um dos mais agressivos, já tinha atingido também a axila e o osso esterno, entre as duas mamas. Embora o câncer de mama seja mais prevalente depois dos 50 anos, histórias como a de Isabela se tornam mais comuns: segundo o Instituto do Câncer (Inca), a porcentagem de mulheres que desenvolvem a doença antes dos 40 anos triplicou no Brasil em pouco mais de uma década; em 2009, elas eram 7,9% das pacientes, mas em 2020, se tornaram 21,8%.
 Não existe uma explicação definitiva para o aumento de tumores em mulheres jovens, mas Heloisa Veasey Rodrigues, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein e fellowship do MD Anderson Cancer Center, nos Estados Unidos, explica que algumas alterações no estilo de vida influenciam este cenário: o aumento no consumo de álcool, da obesidade e do sedentarismo, mas, especialmente, do adiamento da primeira gravidez e da queda no número de filhos – gestação e amamentação são fatores protetores contra o câncer de mama, portanto, quanto mais filhos biológicos, menor a chance de desenvolver a doença. O uso contínuo de anticoncepcionais também representa um risco, embora pequeno. “É difícil identificar individualmente o que causa um câncer. Não estamos falando de uma relação direta entre causa e efeito, mas de uma mudança de hábitos populacional. São comportamentos que individualmente têm impacto pequeno, mas passam a ser relevantes quando analisamos toda a população”, explica. 
O histórico familiar tem papel importante, mas não é decisivo. Enquanto Isabela Valente tem casos de câncer na família – suas duas avós tiveram a doença e sua mãe descobriu há pouco tempo que tem a mutação genética –, há quem não tenha histórico familiar e desenvolva câncer de mama na juventude, como a publicitária Carol Magalhães. Ela tinha 29 anos quando recebeu o diagnóstico de um câncer papilífero invasivo na mama direita. “Poucos anos antes, havia retirado um nódulo benigno. Fui ao médico com muita tranquilidade, imaginei que seria a mesma coisa. Todos os exames deram resultados inconclusivos e nenhum deles mencionava a palavra câncer. Só entendi o que estava acontecendo quando recebi a indicação de fazer a retirada total da mama. Esse foi meu primeiro susto”, fala. 
Menos de seis meses depois de fazer a adenomastectomia (técnica que remove o tecido glandular da mama, mas preserva a pele, a aréola e o mamilo), veio o segundo susto: outro nódulo, na mesma mama, entre a pele e a prótese de silicone. O câncer estava de volta. Carol passou novamente pela quimioterapia, dessa vez, em ciclos mais intensos, por uma nova cirurgia de mastectomia, sessões de radioterapia e, por fim, hormonioterapia – tratamento que induz a menopausa para interromper a produção de hormônios que “alimentam” alguns tipos de tumor.
Em mulheres mais jovens, os tumores tendem a ser mais agressivos e os tratamentos mais intensos, com sessões de quimioterapia mais fortes e frequentes. Esse passo a passo é definido a depender de fatores como condições clínicas da paciente e características do tumor. Mas, em geral, intercalam quimioterapia, radioterapia e mastectomia – total ou parcial. “Todas essas decisões devem ser tomadas conjuntamente entre mastologista, oncologista e radioterapeuta. Antes de aceitar qualquer tratamento, é importante consultar as três especialidades”, explica o oncologista Ramon Andrade de Mello, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia. 
Durante o processo de cura, no entanto, não é só o câncer que precisa de cuidados. Por trás da doença, existem mulheres que pausam suas carreiras, perdem seus cabelos, não se reconhecem no espelho e temem não poder engravidar, entre uma série de outras angústias. “Muitas são abandonadas por seus companheiros durante o tratamento”, diz Gabriella Antici, fundadora do Instituto Protea, organização que custeia o tratamento de câncer de mama para mulheres de baixa renda. Em pacientes na faixa dos 30 anos, as duas principais angústias que andam em paralelo ao tratamento são o medo de não conseguir engravidar e a vaidade. Mulheres que pretendem engravidar são orientadas a congelar óvulos antes da quimioterapia, pois ela reduz muito a reserva ovariana. Segundo a oncologista Heloisa Veasey Rodrigues, cerca de metade das pacientes ficam inférteis ao final do tratamento. 
Embora não tenha congelado óvulos, Carol conseguiu engravidar durante o tratamento contra o câncer de mama – com o aval da médica, fez uma pausa na hormonioterapia para implementar óvulos de sua esposa. O combinado era que o casal faria duas tentativas e, se não desse certo, ela retomaria o tratamento. Felizmente, a FIV funcionou de primeira. “Além de engravidar, consegui amamentar por seis meses só com uma mama, complementando com a fórmula”, celebra ela, que se dedica atualmente a disseminar informações sobre o câncer de mama para mulheres negras, na página Se Cuida, Preta. Para Isabela, o maior impacto do tratamento foi sobre sua autoestima. “Quando a oncologista me explicou os efeitos da quimioterapia e falou da queda de cabelo, foi enlouquecedor. Eu não conseguia me imaginar careca”, lembra. Enquanto Carol acaba de chegar ao fim da jornada de nove anos de tratamento até a alta em 2024, Isabela está na metade do caminho: operou para retirar toda a mama esquerda e está em contagem regressiva para o final de ciclos intensos de quimioterapia, previstos para o fim deste mês, marcado pela conscientização sobre a prevenção e o tratamento de câncer de mama. A oncologista Heloisa Veasey Rodrigues diz que, apesar de a doença se manifestar de forma mais agressiva em mulheres jovens, “é importante entender que os tratamentos são cada vez mais eficazes e pensados para minimizar efeitos colaterais”. E continua: “Tem muita vida pela frente, inclusive vida reprodutiva”. 
Estudos do Observatório do Câncer de Mama mostram que, no Brasil, o tempo médio de espera para o diagnóstico é de 217 dias; a partir daí, são mais 267 dias para começar o tratamento. Ou seja, uma mulher pode demorar mais de um ano e três meses entre a primeira ida ao médico e o início do tratamento. “Mas quando falamos em câncer de mama, o tempo pode ser a cura ou uma sentença de morte. Se você descobre o tumor em estágio inicial e faz o tratamento, a chance de melhora é próxima de 100%. Por isso, a espera precisa ser a menor possível. Quando falamos de mulheres jovens, um outro obstáculo se apresenta: este grupo não é orientado a fazer exames preventivos regularmente. A recomendação da Sociedade Brasileira de Cancerologia é que se comece a fazer mamografias a partir dos 40 anos – entre os 40 e os 50, a cada cinco anos; depois dos 50, de dois em dois anos. Pessoas com histórico de câncer na família devem começar mais cedo: cerca de dez anos antes de chegar à idade com que a familiar próxima foi diagnosticada. Quem está fora desse grupo tem como ferramenta de prevenção a observação do próprio corpo e, diante de qualquer alteração nas mamas, recorrer a um especialista. “Nem sempre se trata de um nódulo tão evidente, mas mudanças no formato da mama, no formato do mamilo, na textura e na cor da pele, tudo isso é relevante”, alerta Heloisa. 
Há pouco mais de um ano, o Instituto Protea – que em sete anos custeou o tratamento de mais de de 2.200 mulheres com câncer de mama – trouxe para o Hospital Santa Marcelina, em São Paulo, uma inteligência artificial desenvolvida pelo MIT que lê mamografias e indica o risco de desenvolver a doença em até cinco anos. Por lá, todos os resultados de exames são lidos pela ferramenta. Gabriella conta que vidas já foram salvas pela tecnologia: uma paciente que fazia exames de rotina fez uma mamografia que não mostrou a presença de câncer de mama, mas a IA indicou alto risco de desenvolver um tumor nos próximos anos; diante disso, a médica pediu que ela retornasse em três meses e assim foi possível identificar um tumor em estágio muito inicial. “Se não fosse a tecnologia, ela teria voltado só dali a um ou dois anos, e a doença seria descoberta em estágio mais avançado”, conta. “Essa novidade faz com que as mulheres ganhem tempo. E tempo é vida.”					
 
 

 
  
  
  
  
  
  
  
 


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