Como a intoxicação por metanol pode afetar a visão
Dr. Davi Chen Wu, Oftalmologista , chefe do Setor de Retina da Santa Casa de SP e professor universitário, esclarece dúvidas sobre a intoxicação por metanol e danos à visão
Entrevista
Professor Doutor Davi Chen Wu - Oftamologista / Foto : Arquivo Pessoal
Professor Doutor Davi Chen Wu - Oftamologista / Foto : Arquivo Pessoal Em entrevista exclusiva para o Portal Salto/Revista Salto, o Doutor Davi Chen Wu, oftalmologista, e professor universitário, relata as dúvidas da sociedade em geral acerca dos danos causados à visão devido à intoxicação por Metanol . Entrevista riquíssima! Fiquem atentos à esta aula com a qual o Professor nos presenteou, colocando Luz às nossas dúvidas!
Acompanhe a entrevista completa a seguir:
"Sou o Dr. Davi Wu, médico oftalmologista, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e chefe do Setor de Retina da Santa Casa de São Paulo. Trabalho diariamente no cuidado de pacientes com doenças do segmento posterior — incluindo retina e nervo óptico —, ensino médicas e médicos em formação e participo de projetos de pesquisa. Agradeço à equipe do Portal de Notícias Salto/Revista Salto pela oportunidade de orientar a população sobre metanol e risco de cegueira, com foco na proteção de todas as pessoas e famílias, especialmente as mais vulneráveis."
Por que o metanol pode causar cegueira?
O metanol é um álcool extremamente tóxico, mesmo em pequenas quantidades. A ingestão de cerca de 10 ml pode levar à cegueira. No fígado, ele é convertido em ácido fórmico, substância que intoxica as mitocôndrias — as “usinas de energia” das células. Como o nervo óptico e a retina têm alto consumo de energia, sofrem primeiro. O resultado pode ser lesão do nervo óptico e, em casos graves, cegueira.
Observação: a exposição ocorre principalmente por ingestão (bebidas adulteradas), mas também pode acontecer por inalação ou contato cutâneo em ambientes industriais e postos de combustíveis — situações hoje menos comuns fora do ambiente ocupacional.
Quais são os primeiros sinais oculares de intoxicação por metanol?
Os primeiros sinais oculares de intoxicação por metanol são:
• Visão borrada, sensação de neblina ou “neve” diante dos olhos;
• Dor de cabeça, fotofobia (incômodo com a luz) e alteração da percepção de cores;
• Perda da visão central (mancha no centro) e pupilas lentas ao reagir à luz;
• No fundo de olho, podem surgir sinais inflamatórios do nervo óptico e dilatação/congestão (“ingurgitamento”) dos vasos da retina.
Esses sintomas geralmente aparecem entre 6 e 24 horas após o consumo — e, em alguns casos, até 72 horas.
A perda de visão é reversível ou permanente?
Depende do tempo do consumo da substância tóxica até o tratamento e da gravidade da intoxicação. Se o atendimento for muito precoce (antes de grande acúmulo de ácido fórmico no sangue), parte dos pacientes recupera a visão. Em exposições graves ou quando o atendimento demora, a lesão do nervo óptico pode evoluir para atrofia, e a perda visual tende a ser permanente. Em surtos registrados em 2024 em países como Irã, Laos e Quênia, mesmo com tratamento, a taxa de sequelas visuais foi significativa, em torno de 50%.
Como é feito o diagnóstico e o acompanhamento oftalmológico nesses casos?
Diagnóstico médico é feito na sala de urgência:
• Suspeitar do quadro entre 6 e 24 horas após a ingestão de bebida possivelmente adulterada, diante de sinais como confusão mental, dor abdominal, convulsões e queda da acuidade visual;
• Exames de sangue mostram acidose metabólica (alteração do pH do sangue) e, quando disponíveis, níveis de metanol/formiato;
• Muitas vezes, o diagnóstico é presuntivo — feito antes da confirmação laboratorial — com base na história relatada por pacientes ou familiares e na gravidade clínica.
Avaliação e seguimento oftalmológico:
• Acuidade visual, reflexos pupilares e mapeamento de retina (fundo de olho);
• OCT (tomografia da retina) para acompanhar a camada de fibras nervosas e a camada de células ganglionares;
• Campimetria para documentar o escotoma central;
• Ressonância magnética pode mostrar lesões características nos núcleos da base (sistema nervoso central) e, às vezes, no nervo óptico.
É importante o seguimento oftalmológico : no momento da fase aguda e reavaliações em semanais a mensais , monitorando atrofia óptica e necessidades de reabilitação visual.
Que tipo de tratamento oftalmológico pode ser oferecido para minimizar danos?
O tratamento que protege a visão é sistêmico e imediato, em serviço de emergência com equipe de toxicologia:
• Bloquear o metabolismo do metanol com fomepizol (antídoto de escolha) ou etanol farmacêutico quando o fomepizol não estiver disponível;
• Corrigir a acidose (bicarbonato) e, nos casos indicados, realizar hemodiálise para remover metanol e ácido fórmico;
• Ácido fólico (ou ácido folínico) para acelerar a depuração do formiato.
Medidas oftalmológicas adjuvantes: há séries de casos avaliando opções para reduzir inflamação e sofrimento axonal do nervo óptico, mas as evidências são limitadas. Não existe “colírio milagroso” que reverta o quadro; a prioridade é tratar a intoxicação sistêmica rapidamente. Diante de um quadro tão grave, a prevenção é a medida mais importante.
O que a população deve saber para evitar casos de cegueira associada ao consumo de bebidas adulteradas?
Até a data da elaboração deste texto (06/10/2025), não há definição oficial sobre como ocorreu a contaminação das bebidas com metanol no episódio atual. Em situações semelhantes, recomenda-se:
1. Comprar somente em estabelecimentos regularizados;
2. Verificar lacre, selo fiscal, rótulo e procedência;
3. Desconfiar de preços muito baixos e de bebida manuseada por terceiros;
4. Guardar a garrafa (ou amostra) e levar ao serviço de saúde — isso ajuda o diagnóstico e a vigilância sanitária;
5. Atenção a outras vias de exposição (pele e inalação) em ambientes ocupacionais.
7. Quais são as sequelas mais comuns em quem sobrevive à intoxicação?
As sequelas oculares mais comuns: atrofia do nervo óptico, baixa visão permanente, mancha central (escotoma) e alteração da percepção de cores — muitas vezes bilateral. Pessoas que recuperam completamente a visão nas duas primeiras semanas tendem a manter melhor esse ganho ao longo do tempo. Às vezes, a piora visual pode ocorrer tardiamente, até cerca de nove meses após a exposição.
Em resumo: a intoxicação por metanol é uma emergência médica. A visão pode ser preservada quando o tratamento é rápido e realizado em centros preparados. A prevenção — comprar de fontes confiáveis, verificar selos e lacres — é o caminho mais seguro. Diante de qualquer suspeita após ingerir bebida alcoólica, procure imediatamente um serviço de urgência. Cuidemos uns dos outros com prudência, responsabilidade e solidariedade.
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Referências selecionadas e utilizadas na elaboração desta entrevista:
• Eye (2025): editorial no Lancet com recomendações terapêuticas e achados de OCT. Eye (2025) 39:1023–1025. DOI: https://doi.org/10.1038/s41433-025-03628-
• Archives of Toxicology (2022): Liberski S., Kaluzny B. J., Kocięcki J. Methanol-induced optic neuropathy: a still-present problem. Archives of Toxicology 96:431–451. DOI: https://doi.org/10.1007/s00204-021-03202-0 - revisão da literatura em revista especializada.
Abaixo, links de estudos internacionais fornecidos pelo Dr. Davi Wu





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