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Belo Horizonte,08/05/2025

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De babá dos filhos de Will Smith a diretor de Viola Davis no Brasil: a vida de MM Izidoro daria um filme

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De babá dos filhos de Will Smith a diretor de Viola Davis no Brasil: a vida de MM Izidoro daria um filme


Algumas histórias de vida parecem saídas de um filme — no caso de MM Izidoro, é a sua trajetória inteira que daria um longa digno de Hollywood. O roteiro passaria por momentos dramáticos, como o incêndio que destruiu sua casa mais recentemente e o grave acidente de carro, aos cinco anos, que desfigurou seu rosto. Mas haveria também cenas surreais que te fariam pensar “isso só acontece em ficção”, como a vez em que foi parar na casa do responsável por criar os sabres de luz da franquia Star Wars ou quando trabalhou como babá dos filhos de Will Smith.
MM Izidoro é aquele tipo de pessoa que parece estar em mil lugares ao mesmo tempo: apresentador, diretor, roteirista, produtor, autor e músico nas horas vagas. Grandes chances de você já ter sido impactado com alguma criação dele por aí, mesmo sem saber. Lembra daquele blog das "tchecas" que bombou como um dos primeiros virais da internet brasileira, na década de 2010? Era uma ação de cerveja criada por ele — tão convincente que enganou até o Pânico na TV. Se ouviu os audiolivros oficiais de Harry Potter em português, o projeto #AmarEloPrisma, do rapper Emicida, ou assistiu a comédia romântica Depois Que Tudo Mudou, no Globoplay, saiba que desfrutou de um pouco da criatividade de Izidoro. E no fim de 2024, ele cravou mais um marco na carreira: se tornou o primeiro brasileiro a dirigir um projeto idealizado por Viola Davis no Brasil.
A história de MM Izidoro começa em uma família mista, metade branca e metade negra – o que, para ele, já diz muita coisa. Seu pai, Toninho Izidoro, nasceu filho de uma dona de casa e um mestre de obras, e mais tarde se tornaria um dos primeiros publicitários negros do país – ajudando a revolucionar as campanhas brasileiras, sendo o criador, por exemplo, do Camarote Brahma, frequentado pelas maiores celebridades do Carnaval.
“Costumo dizer que sou um Exu, um senhor dos dois caminhos. Era normal passar a tarde na casa do meu avô materno, andar de carro importado, ouvir planos sobre levar os netos pra Disney... e, no mesmo dia, ir pra casa da família paterna, com sambão rolando e churrasco no quintal.” Crescer nesse ambiente deu a Izidoro duas vantagens raras: desde muito cedo aprendeu sobre os bastidores de grandes produções e adquiriu a habilidade de dialogar com diferentes tipos de realidades.
O interesse no audiovisual, no entanto, veio depois de uma tragédia. Aos cinco anos de idade, após sofrer um grave acidente de carro, que lhe deixou um ano trancado em casa, passou a ter mais contato com o mundo dos filmes durante seu longo período de recuperação.
“Perdi o lado direito do rosto, tomei 1.500 pontos. É todo reconstruído”, conta. Foi ali, com o rosto colado e a cabeça cheia de perguntas, que assistiu Sonhos, filme de Akira Kurosawa, sem entender nada — o que o fez ter insônia por um mês. “Aquilo me fascinou. Queria entender do que se tratava. E aí entrei de cabeça nesse mundo.” Com 13 anos, já estava trabalhando com cinema, aprendeu na prática a montar, filmar e editar e ainda na adolescência produziu e dirigiu seus primeiros filmes.
Vivendo em uma casa de criativos, seus pais compravam todas as suas ideias — às vezes até com mais força do que ele. Quando anunciou que prestaria prova para tentar entrar na USP (Universidade de São Paulo), recebeu um tapa na cara e um grito da mãe: “Filho meu não vai fazer Fuvest! Vai ser cineasta! Vai ser artista!”, ele relembra dando risada. “Onze entre dez pessoas têm o oposto dessa conversa".
MM Izidoro
Tainá Bernard
Entre sabres de luz e filmagens com Guilhermo Del Toro
Com 15 anos, Izidoro foi fazer intercâmbio na Austrália para estudar inglês, mas a paixão pela arte logo achou um jeito de se fazer presente. Quis o destino que, em um dos trajetos de ônibus para a escola, um homem vestido uma camiseta da equipe de produção do filme Star Wars – Episódio II, que estava sendo rodado nos estúdios da Fox daquele país, entrou no transporte. Na pura cara de pau, o menino brasileiro se aproximou para puxar papo. Descobriu que o homem era um dos diretores de arte da franquia, e recebeu a proposta de visitar sua casa para ver a produção dos sabres de luz usados na obra. “Pensando agora que esse convite de um estranho poderia ter dado muito certo ou muito errado, né?”, reflete Izidoro.
Mas a visita deu tanto certo que virou rotina. Ele passou a ajudar nos bastidores do filme, servindo como uma espécie de “faz tudo”, carregando materiais e ajudando a equipe — até que um dia, meio no susto, encontrou um caderno que continha contatos importantes de Hollywood. Sem pensar duas vezes, arrancou o papel e depois enviou e-mail para todos da lista dizendo que queria trabalhar com cinema.
Pouco depois, conversando com um colega da escola, descobriu que tinha enviado um desses e-mails para o pai do menino — ninguém menos que o presidente da Fox Studios. No mesmo dia, recebeu a resposta do magnata : se queria falar de cinema, que o encontrasse para um café. “Ele meio que me adotou. Fiquei um ano nos estúdios da Fox, fui jogado nos sets de Matrix, de Star Wars. Fazia de tudo, era mão de obra barata. Alimentei atores, trabalhei em novelinha, fui babá dos filhos do Will Smith. Conheci todo mundo.”
Foram experiências moldaram sua visão sobre o audiovisual e sobre a vida. “Percebi que enquanto muita gente tinha plano de carreira, eu tinha um plano de biografia.” Essa noção ganhou força em um momento específico, quando, voltando de uma viagem de trabalho, precisou tomar uma decisão importante no aeroporto.
“Abri o computador e tinha um e-mail me convidando pra trabalhar em Paris. Aí um senhor do meu lado, tomando cerveja, falou: ‘Seu dilema parece difícil. Posso te dar um conselho? Sua vida vai ser um haicai – nasci, vivi, morri – ou uma enciclopédia de vários volumes?’ Ele virou a cerveja, deu bom dia e foi embora. Encontrei o Yoda.”
A biografia de Izidoro continuou ganhando páginas e personagens. Em uma livraria, conheceu Guillermo del Toro, importante cineasta mexicano de obras como Cronos, Blade e A Forma Da Água. Disse que era fã dele, contou ser do Brasil. O diretor mexicano o convidou para um café e, depois disso, os dois passaram um ano trocando e-mails.
Um ano depois, Izidoro estava em um festival na Espanha quando o reencontrou por acaso. Del Toro o chamou para conversar e, após a palestra que daria, sugeriu que ele fosse até Madri o acompanhar nas filmagens de um filme que estava rodando. “Cheguei lá numa terça-feira e descobri que o set era o de O Labirinto do Fauno. Fiquei meses com ele, como aprendiz. Foi minha masterclass.”
Diretor de Emicida e projeto Viola Davis no Brasil
O auge veio cedo — tão cedo que ele pôde parar e se perguntar se era aquilo mesmo que queria continuar fazendo. “E não era. Porque todo mundo no audiovisual tava zoado da cabeça”, diz. Para além das histórias inusitadas e dos grandes projetos, MM Izidoro tem clareza sobre o que realmente o move: propor novas narrativas, novas formas de ver e contar sobre o mundo. Ou melhor, os mundos, as particularidades de cada um, que acabam representando a história de muitos.
"A grande crise que a gente vive hoje é uma crise de sonhos. Estamos brigando por versões da mesma história, e não criando histórias novas", diz. Seu trabalho, especialmente no campo do áudio — que ele define como "a mídia mais visual que existe" —, tem buscado justamente esse reposicionamento. A princípio, com a retomada da arte como criação coletiva.
MM Izidoro
Tainá Bernard
“Quando faço o podcast AmarElo Prisma, do Emicida, e falo, por exemplo, sobre o chá de boldo que a avó colheu no quintal, acontece uma mágica. Se fosse um documentário, eu teria que escolher o quintal, a mão da avó, a folha… Mas quando eu escrevo isso e o Leandro narra, cada pessoa imagina a sua própria versão do quintal, cada um vê a mão da sua avó, a xícara favorita da sua infância… A palavra é minha, mas a imagem é sua. No fim, a gente cocriou.”
Foi com esse pensamento que também criou audioproduções como Eles Estão Aqui, uma ficção científica indígena para a Globoplay, e Angola Janga, adaptação da HQ de Marcelo D’Salete idealizada pela produtora de Viola Davis. Izidoro se tornou o primeiro brasileiro a dirigir um projeto da atriz norte-americana no país – ela que, inclusive, Izidoro exalta como exemplo de alguém de fora do Brasil que conseguiu enxergar o potencial enorme que a cultura do nosso país tem.
Para ele, olhar o Brasil de cabo a rabo, especialmente para fora do eixo Rio-São Paulo, é um exercício necessário e constante para pensar no futuro que vamos construir. Por isso, passou o ano passado praticamente imerso em festas populares brasileiras.
“Ainda estou tentando entender tudo o que aconteceu, mas se tem uma certeza que eu tenho é essa: alguém precisa começar a propor novas histórias — para que a gente volte a se entender como país. Talvez isso seja algo que nunca fizemos. O meu lugar na política me mostrou que, ao longo desses anos, felizmente, criamos muitos locais de fala. Mas pouquíssimos locais de escuta. E aí eu me pergunto: como a gente ouve, como devolve, como dialoga? Pra mim, esse diálogo é o mais importante. E a cultura é fundamental nisso, porque é através dela que a gente aprende a se entender.”
Mas não se engane, o compromisso de Izidoro é com o agora — ou melhor, com o que ele chama de “pindapresentismo”. "Mesmo que eu faça um filme de época ou de ficção científica, estou sempre falando do agora de Pindorama, não do Brasil", explica, referindo-se ao nome usado por povos indígenas para designar o nosso país antes da invasão portuguesa ao país. É nisso que seus próximos projetos vão se basear: no Brasil, no brasileiro.
Essa compreensão se cristalizou em um dos momentos mais simbólicos de sua vida: o dia em que seu avô, filho de escravizados, pegou em mãos o crachá da Globo que Izidoro acabara de ganhar após assinar contrato com a emissora. Foram uns bons minutos em silêncio, apenas o senhor de 100 anos olhando para o cartão.
“Depois de um tempo, me disse: ‘Não é que valeu a pena? Fiz tudo isso pra hoje meu neto estar criando histórias para o Brasil’.” A história do menino que, em um dos momentos mais difíceis de sua vida, encontrou sentido nas imagens do cinema ganhava ali uma nova dimensão: a de continuar um legado.
“O que a gente faz — como diz uma música do Maurício Pereira — é aquecer o coração do cidadão comum. E eu acredito muito nisso. Tenho que continuar fazendo tudo valer a pena, inclusive pelo meu avô, que fez um sacrifício ancestral por mim. E aí me pergunto: qual será o sacrifício ancestral que eu vou fazer por quem vem depois de mim?”

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