Guillermo del Toro nunca escondeu sua paixão pelos monstros. Para ele, são criaturas que falam de nós – nossas falhas, nossas obsessões, nossa humanidade. Em Frankenstein, o diretor mexicano vencedor do Oscar por A Forma da Água e Pinóquio revisita o clássico de Mary Shelley com uma mistura de melancolia e grandiosidade poucos são capazes de conceber. O resultado é uma fábula sombria sobre criação e afeto, sobre aquilo que nos torna humanos – e também monstruosos.
Na nova adaptação, Victor Frankenstein (Oscar Isaac) é o cientista obcecado em vencer a morte, e Jacob Elordi dá corpo à criatura que ele traz à vida. Mas é Mia quem emerge como o coração pulsante do filme, vivendo duas personagens opostas: Elizabeth, uma mulher perspicaz e independente que tenta compreender seu lugar no mundo, e Claire, uma mãe com um destino trágico que pouco pôde fazer pelos filhos.
Em conversa por vídeo com a Vogue Brasil, a atriz britânica de ascendência brasileira (ela é neta da atriz Maria Gladys) e canadense falou sobre o processo de interpretar duas mulheres tão diferentes em um mesmo filme. “Eu comecei por Elizabeth”, contou. “Fiz todo o meu processo de preparação normalmente, e o que ajudou muito foi o fato de termos filmado em blocos separados. Gravei primeiro a Elizabeth, encerramos tudo em Toronto, e só depois partimos para a Claire, na Escócia. Isso me permitiu viver cada uma delas por inteiro.”

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Entre uma filmagem e outra, Mia viveu uma transformação pessoal profunda: tornou-se mãe de sua primeira filha, Isabel, de 3 anos, fruto do relacionamento com o ator Shia LaBeouf. “Um fator muito importante foi que, nessa época, eu tinha acabado de ter minha filha, então consegui compreender a Claire de uma forma muito real, prática mesmo, o que significa ser mãe, esse amor incondicional e o quanto ele te transforma. Isso me ajudou profundamente”, conta a atriz.
Mia Goth como Claire, na primeira parte de "Frankenstein"
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O trabalho com maquiagem e próteses também teve um papel crucial em sua construção. “O Mike Hill, que cuidou dos efeitos e das próteses, adicionou uma peça muito sutil, mas que teve um impacto enorme”, lembra. “Olhar no espelho e não me reconhecer ajudou demais. É como se eu realmente tivesse deixado a Mia para trás e entrado completamente na pele daquela mulher. Foi desconfortável — e era pra ser.”
Visualmente, Frankenstein é um banquete gótico. A direção de fotografia de Dan Laustsen, os figurinos elaborados de Kate Hawley e o design de produção de Tamara Deverell criam um universo onde cada tecido, sombra e reflexo contam uma história. E Mia se divertiu nesse processo. “Eu achava que a Elizabeth deveria ter um figurino simples, talvez um único vestido, algo contido”, ela ri. “Mas a Kate me convenceu do contrário, e ela estava absolutamente certa. Cada tecido, cada cor, ajudava a contar a história daquela mulher — e a conectar Elizabeth ao Victor e à criatura. Foi um trabalho muito colaborativo, e eu amo quando isso acontece.”
Jacob Elordi é Frankenstein
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Sobre Guillermo del Toro, Mia é só admiração. “Ele é incrivelmente calmo, generoso e amoroso. No set, nunca há pressa. Ele te dá tempo. Se você quiser mais uma tomada, ele te dá. E quando ele ama uma tomada, você sabe - ele vem até você e te diz com tanta alegria que é impossível não se contagiar”, conta. Ela lembra do primeiro dia de filmagem: “Era uma cena grande, eu estava nervosa, e ele veio até mim tão gentilmente, tão encorajador, que tudo mudou. Ele definiu o tom de todo o projeto. Trabalhar com Guillermo foi uma das experiências mais amorosas da minha vida profissional.”
E quando perguntada sobre o que acha que sua personagem, Elizabeth, está realmente buscando ao longo da história, Mia responde com um olhar reflexivo: “Acho que ela está procurando companhia. Ela quer se sentir menos sozinha. Existe um isolamento muito grande em ser mulher naquele mundo vitoriano, e ela se vê atraída por Victor primeiro pela mente dele, pela genialidade, mas depois percebe que ele é inalcançável, impenetrável. Quando ela encontra a criatura, há uma conexão imediata — é como se ela finalmente encontrasse um espírito afim. Pela primeira vez, ela não se sente só.”
Mia Goth durante conversa com Vogue Brasil
Netflix
Mia lembra de um dos momentos mais marcantes das filmagens. “Ver a criatura pronta pela primeira vez foi algo que nunca vou esquecer”, diz. “O trabalho do Mike Hill foi tão delicado que, mesmo sob camadas de maquiagem e prótese, a humanidade do personagem ainda transparecia. Aquele olhar de bondade, de compaixão, e isso é o que torna o filme tão poderoso. O monstro não é o vilão. Ele é o espelho.”
Del Toro sempre foi um mestre em transformar o medo em poesia, e Frankenstein talvez seja sua obra mais emocional até aqui. Pergunto a Mia: “Numa história sobre monstros e humanidade… o que você acha que realmente torna alguém humano?” Ela pensa por um instante antes de responder: “A capacidade de admitir erros. De reconhecer o que fez de errado e tentar reparar de alguma forma. Tem uma cena muito comovente no filme - quando Victor e a criatura finalmente se encontram, há um instante de conexão, de compreensão mútua, mas já é tarde demais. Mesmo assim, naquele momento, acho que Victor recupera um pouco de sua humanidade.”
A curiosa Elizabeth (Mia) se vê intrigada pela mente -- e pelos motivos -- de Victor Frankenstein (Oscar Isaac)
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Com mais de duas horas de duração, o novo Frankenstein é visualmente arrebatador e emocionalmente devastador – uma ópera de amor e culpa em tons de cinza e sangue. E no centro dela, Mia Goth brilha com a intensidade de uma estrela que já domina o gênero do horror, mas agora o transcende.

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