Brasil desenha cartilha sustentável para balizar boas práticas
A apresentação da Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), um sistema de classificação que definirá, com base em dados científicos, quais atividades econômicas, ativos e projetos são, de fato, sustentáveis, deve ser um dos destaques da participação brasileira na COP30, em Belém, em novembro. O Valor teve acesso a uma das últimas versões do texto, que está em fase final de elaboração.
Na avaliação do Ministério da Fazenda, responsável pela elaboração do documento, a agricultura brasileira já apresenta um alto nível de sustentabilidade. Assim, o texto pretende ratificar um quadro que já é regra no dia a dia de produtores e empresas do setor.
Em fóruns nacionais e internacionais, um dos argumentos mais frequentes de representantes do agro brasileiro é de que a agropecuária nacional é uma das mais sustentáveis do mundo. Isso se deve, segundo essas avaliações, às diretrizes do Código Florestal, um conjunto de regras para o qual não há paralelo equivalente no mundo, e à adoção em larga escala de práticas como plantio direto e sistemas de integração entre lavoura, pecuária e floresta.
Sem restrições arbitrárias
Segundo a Pasta, o objetivo da taxonomia é remunerar as adicionalidades — ou, em outras palavras, os esforços e iniciativas que superam os padrões já estabelecidos.
A TSB não impõe restrições arbitrárias, mas estabelece parâmetros que incentivam a conformidade com políticas públicas e metas ambientais, buscando promover o desenvolvimento sustentável do setor rural, disse o ministério.
'Taxonomia' abrangerá também outros setores
A agropecuária não é o único setor que integra o documento, que também aborda indústria, energia, turismo, planejamento, saneamento, construção e transporte. Mas, ainda que, segundo a Fazenda, o objetivo do texto seja destacar forças que a economia brasileira já tem, representantes do agro que acompanham as discussões sobre o TSB já demonstram preocupação com o que o documento vai apresentar.
Principal queixa
A principal queixa é que, em vez de criar incentivos e selos de sustentabilidade para práticas vigentes no campo, o texto pode impor mais restrições para o acesso ao crédito rural e para a escolha de investimentos no país. O TSB não vetará quaisquer práticas, mas suas recomendações podem servir de guia, por exemplo, para o financiamento externo da agropecuária.
Na lista de orientações, o caderno de agricultura, pecuária, proteção florestal, pesca e aquicultura do TSB define como não sustentável qualquer tipo de desmatamento nas propriedades rurais. Isso vale também para o desmate legal, que ocorre seguindo os critérios do Código Florestal.
A TSB estipula um período móvel para adequação dos imóveis rurais. A partir de 2030, produtores que não tenham feito qualquer tipo de desmatamento nos cinco anos anteriores ao empréstimo estarão aptos a buscar crédito verde.
Com isso, não haverá um marco temporal definitivo, mas uma flexibilidade para adaptação posterior e planejamento dos proprietários para estarem elegíveis aos financiamentos novamente. Essa abordagem busca incentivar a mudança de comportamento e a transição para práticas mais responsáveis, sem excluir, de imediato, quem está disposto a melhorar, diz o Ministério da Fazenda. Essa prática [desmatamento], ainda que legal, pode gerar impactos ambientais. Diante disso, busca-se priorizar o apoio financeiro a atividades que apresentem menor impacto ao meio ambiente.
Representantes do agro alegam que o Brasil já tem uma das legislações ambientais mais restritivas do mundo, que inclui exigências de manutenção de reservas legais e de áreas de preservação permanente. Segundo essas avaliações, excluir produtores que ainda têm áreas para abrir significa criar mais barreiras e gerar insegurança jurídica.
Defensivos da Taxonomia Sustentável Brasileira
A análise sobre defensivos agrícolas é outro ponto incômodo para integrantes do agronegócio que têm acompanhado a elaboração da TSB. De acordo com versões preliminares do caderno setorial da taxonomia, também não se considera sustentável o financiamento do uso de agrotóxicos classificados com o 1A ou 1B, segundo Organização Mundial de Saúde (OMS), nem a aplicação de defensivos enquadrados nas classes toxicológicas 1, 2 e 3 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e nas classes de potencial de periculosidade ambiental (PPA) 1, 2 e 3 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Problema para o plantio direto
Eduardo Bastos, presidente da Câmara Temática do AgroCarbono Sustentável do Ministério da Agricultura, critica a inclusão do uso de defensivos como prática não sustentável. Isso pode matar, por exemplo, um dos maiores exemplos reais de sustentabilidade, que é o plantio direto. Tecnicamente falando, não tem nenhuma lógica essa exclusão do agro que usa defensivo da taxonomia, afirmou.
Segundo Amanda Roza, assessora técnica de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a expectativa do setor era que a TSB fosse estabelecer o que é considerado sustentabilidade no país. Mas, da forma que está, diz ela, o mecanismo poderá restringir ainda mais o acesso a financiamentos e a investimentos, ainda que os produtores sigam fielmente a lei.
Para ela, o governo pode perder a oportunidade de incentivar a disseminação de práticas sustentáveis ao adotar critérios mais rígidos que a lei para a elegibilidade dos imóveis.
Já temos uma lei restritiva, mas, mais uma vez, criam novos critérios de sustentabilidade, que vão sendo empilhados uns em cima dos outros. O que deveria ser incentivo e rotulagem, vira nova regulação, disse. É para incentivar, apesar de não criar incentivos suficientes, opinou.
O Ministérios do Meio Ambiente disse que a taxonomia não vai gerar restrições ou exclusões. Procurado pelo Valor, o Ministério da Agricultura não respondeu a pedidos de comentários.





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