"Usava 4 absorventes por dia": homens relatam dificuldades com incontinência urinária e o que fizeram para se curar

Sentir uma vontade repentina de urinar ou ter um escape involuntário pode ser, além de desconfortável, bastante constrangedor. A incontinência urinária é vista como algo comum ao processo de envelhecimento para alguns indivíduos, mas não se trata apenas de uma questão de idade. Problemas na bexiga, lesões na medula e no cérebro e doenças na próstata aparecem entre as condições que podem levar ao desenvolvimento da incontinência urinária.
Dados da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) mostram que cerca de 15% dos homens com mais de 40 anos convivem com o distúrbio. Um levantamento da entidade, baseado em informações do Ministério da Saúde, aponta que, entre 2020 e 2024, foram realizados mais de 29 mil procedimentos cirúrgicos para tratar escapes de urina, em homens e mulheres.
Antes de tudo, é importante compreender os tipos de incontinência, pois as causas vão direcionar a melhor forma de tratamento. As duas principais variedades são a de urgência, quando a pessoa sente uma vontade súbita de urinar e não consegue chegar ao banheiro a tempo, e a de esforço, quando o vazamento ocorre durante alguma atividade que envolva força, como exercícios, tosses ou espirros. Há ainda a incontinência mista, que junta os dois tipos, e a incontinência por transbordamento, quando a bexiga fica cheia por muito tempo e transborda sozinha (a média de vezes que devemos urinar gira em torno de quatro a seis por dia).
“A principal causa da incontinência urinária de urgência é a bexiga hiperativa, um mau funcionamento do órgão que pode ter diversas origens. Não dá para determinar sem avaliação médica”, afirma Alexandre Fornari, urologista e coordenador do Departamento de Disfunção Miccional da SBU. Segundo ele, o aumento do tamanho da próstata - que causa a compressão da uretra, demandando que a bexiga faça mais força -, comum à idade avançada, acima dos 50 anos, se associa a esse tipo de incontinência.
A perda urinária provocada por esforço físico costuma estar ligada à prostatectomia, cirurgia de retirada da próstata em decorrência do câncer nesta glândula, o segundo mais comum na população masculina. Nesses casos, o problema geralmente se dá no esfíncter urinário e não na bexiga. “O esfíncter está localizado logo após a próstata. Então, uma lesão na região pode levar à perda de sua função, mas isso depende do tipo de câncer operado. Quanto mais agressiva a cirurgia, maior a possibilidade de haver perda de urina”, explica Bruno Lebani, urolo- gista do hospital A.C.Camargo Cancer Center.
Segundo o especialista, cerca de 10% dos homens podem ficar permanentemente incontinentes depois da retirada total da próstata. É comum que o distúrbio dure de seis meses a um ano e passe a ser considerado definitivo após esse período. Embora seja o tratamento mais indicado para a cura do câncer, a operação gera efeitos que impactam diretamente a qualidade de vida dos pacientes.
Tratamentos
Nos primeiros meses da incontinência, tratamentos nãocirúrgicos, entre fisioterapia, medicamentos e mudança de hábitos - como a diminuição da cafeína (diurética, ela pode irritar a bexiga) -, conseguem ajudar a reduzir a perda urinária involuntária.
Quando esses métodos não funcionam, há recursos como o esfíncter urinário artificial, indicado para casos mais graves, e o sling, uma tela que reposiciona e comprime a uretra. “Ao comprimir a uretra, aumenta-se a resistência do órgão; ou seja, quando o homem faz força, esse apoio não deixa a urina vazar”, pontua Lebani.
O bancário gaúcho Henrique Santos, 54, teve sucesso com o sling. Descobriu o câncer de próstata em novembro de 2021 e, por não ter passado por quimioterapia ou radioterapia, a recuperação tornou-se mais simples. Logo após a cirurgia de retirada, enfrentou meses de incontinência urinária, principalmente por esforço físico. “No banho, já ficava pingando. Era constante. Cheguei a usar de três a quatro absorventes por dia. Precisava tomar cuidado na rotina”, lembra.
Incontinência urinária
Liu Anno
Ele tentou fisioterapia e medicamentos, mas apenas o sling trouxe um resultado permanente. O procedimento foi realizado em agosto último, quase quatro anos após a cirurgia de próstata. “Achei o resultado sensacional, meu dia a dia voltou ao normal. Trata-se de uma nova chance de viver plenamente”, comemora.
Além do lado físico, Santos destaca o impacto psicológico e social da condição. “Homens têm um tabu enorme de falar sobre isso. Filtrei com quem podia compartilhar, com a família e amigos próximos. O apoio fez toda a diferença, me deu segurança para enfrentar o tratamento e recuperar minha qualidade de vida”, afirma.
O aposentado pernambucano radicado em São Paulo Romildo Reginaldo de Queiroz, 67, conviveu por anos com incontinência urinária severa também após a prostatectomia. “Era difícil sair de casa, viajar ou até dormir. Eu acordava várias vezes durante a noite para ir ao banheiro ou trocar a fralda”, lembra.
No banho, já ficava pingando. Era constante. Cheguei a usar de três a quatro absorventes por dia. Precisava tomar cuidado na rotina.”
Assim como Santos, ele passou por fisioterapia, tomou remédios e usou até um aparelho chamado clamp (uma espécie de grampo que evita a saída de urina), mas nada funcionou, devido à gravidade da condição. O tratamento definitivo apareceu no implante de esfíncter artificial, realizado no fim de 2023.
Após a colocação do dispositivo, Romildo retomou a rotina. “Foi um milagre para mim. Posso viajar, trabalhar e até a vida sexual ficou completamente normal”, celebra. Com a condição, a relação sexual acaba prejudicada, pois a urina atrapalha mesmo quando dentro do preservativo.
A incontinência impacta profundamente a vida do paciente: limita atividades físicas, dificulta a saída de casa e obriga que se carreguem fraldas e absorventes. “O problema leva ao isolamento social. O homem evita frequentar eventos por medo de se molhar ou de constrangimento”, explica Fornari.
Tecnologia a favor da reabilitação
Diante dessa realidade, a professora e pesquisadora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luciana da Mata desenvolveu o aplicativo IUProst, junto de alunos de pós-graduação. Hoje, também participam do projeto as universidades federais de Goiás, Jataí e São João del-Rei, envolvendo enfermeiros e estudantes das áreas de saúde e tecnologia.
“Entre 2016 e 2019, três alunas de doutorado testaram um programa cognitivo-comportamental voltado para a reabilitação da continência nesses homens, avaliando sua efetividade em ensaios clínicos. Isso serviu como base para depois criarmos o aplicativo”, explica.
O foco do programa é auxiliar os casos leves e moderados. A proposta abrange o incentivo a hábitos adequados (beber líquidos até duas horas antes de dormir, evitar alimentos picantes, fugir do álcool...) e treinamento muscular do assoalho pélvico, recomendado pelo menos três vezes por semana.
Segundo a pesquisadora, a tecnologia foi pensada para ser acessível a homens de diferentes idades e níveis de escolaridade, permitindo que façam o tratamento de forma discreta e no próprio ritmo. “O app não substitui o atendimento profissional, mas atua como complemento”, pontua.
Lançada em 2020, a ferramenta está disponível para o sistema Android, com manuais interativos, vídeos explicativos e sistema gamificado, com alarmes e temporizadores. Também inclui um diário para registro de ingestão de líquidos, perdas urinárias e tipo de incontinência. Hoje, há cerca de 1.700 usuários ativos e 3 mil downloads, com média de idade de 66 anos.
“Os próximos passos se valem da inteligência artificial, como uma assistente virtual, e um painel de monitoramento que permitirá acompanhar individualmente a evolução de cada paciente, ajustando o plano terapêutico conforme hábitos e perfil da incontinência”, adianta Luciana.
Seja qual for o tratamento, os especialistas concordam que o diagnóstico precoce e o combate ao tabu são essenciais para que homens possam retomar sua rotina com segurança e confiança.





COMENTÁRIOS