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Belo Horizonte,01/10/2025

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    Aline Medlley: entre agulhas, lágrimas e passarelas

    Quando uma mulher negra escolhe não desistir, ela move o mundo


    Aline Medlley: entre agulhas, lágrimas e passarelas Foto Acervo pessoal: Aline Medley MGFW


    “O meu sonho é coletivo. Porque quando uma mulher negra
    vence, ela não vence sozinha.” Angela Davis

    Essa poderia ser uma das frases de Aline Medlley, mas também
    carrega o eco de tantas vozes femininas e negras que trilharam caminhos de
    resistência para que hoje ela ocupasse um dos palcos mais potentes da moda
    mineira: a criação e consolidação do Minas Fashion Week.

    Aline não nasceu nos bastidores da moda — ela os desbravou.
    Criada em uma família humilde, filha de uma costureira, mãe de um menino
    neurodivergente e mulher preta em um país estruturalmente racista, ela
    transforma sua dor em potência e sua caminhada em legado.

    Em um mundo onde tantas histórias são apagadas, Aline
    escolheu não ser exceção — escolheu ser farol.


    Foto Acervo pessoal : Ouro Minas ensaio de passarela infantil


    O mundo da moda ainda carrega barreiras invisíveis e
    visíveis, a trajetória de Aline Medlley surge como prova de que o
    empreendedorismo pode ser muito mais do que construir um negócio: pode ser um
    ato político, social e transformador. Mulher negra, visionária e determinada,
    ela é a idealizadora do Minas Fashion Week (MGFW), evento que, ano após ano,
    rompe padrões e abre caminhos para que talentos periféricos, modelos diversos e
    novas vozes ocupem as passarelas.

    Mas antes das luzes da passarela e do reconhecimento do
    público, houve um caminho marcado por desafios. Crescer e se afirmar no mercado
    da moda — um dos mais competitivos e, muitas vezes, excludentes — exigiu de
    Aline uma força que vai além da técnica ou do talento. Foi necessário
    resiliência, disciplina e, principalmente, coragem para assumir que ser mulher
    negra e empreendedora no Brasil é resistir diariamente a estigmas, preconceitos
    e limitações impostas por uma sociedade desigual.

     

     “Eu não aceito o
    mundo como ele é. Eu o transformo.” — Angela Davis

     

    AS PRIMEIRAS LINHAS: A COSTURA COMO MEMÓRIA, A FÉ COMO
    GUIA

     

    “Eu não cresci cercada por desfiles nem por grifes. Cresci
    vendo minha mãe costurar com perfeição, mesmo sem ter dinheiro para comprar
    roupas. Ela criava com amor, e isso me aproximou da moda”,
    conta Aline.

    A infância foi marcada por desafios econômicos e também por
    uma formação conservadora que não enxergava na moda uma possibilidade concreta
    para alguém como ela. A primeira vez que pagou um curso de modelo, vendeu
    latinhas para juntar o dinheiro. “Minha mãe achava que a moda não era para
    gente como a gente. Mas, com o tempo, ela aprendeu a sonhar comigo.”

    Sonhar, aliás, foi um ato político para Aline. Como nos
    lembra a escritora bell hooks:

     

    “A imaginação é o lugar onde a resistência começa.”

     

    O CAMINHO DO EMPREENDEDORISMO NEGRO: ENQUANTO UNS VÊEM
    FRACASSO, ELA CRIA CAMINHOS

     

    O MGFW surgiu da inquietação. De ver corpos iguais ao dela
    sendo silenciados, de ver talentos periféricos sendo ignorados.

     “Eu não queria só
    desfilar. Eu queria criar oportunidades. Dar palco para quem nunca teve.”

    Para Aline, a moda é mais do que estética — é linguagem, é
    política, é identidade. No MGFW, não se trata apenas de selecionar modelos ou
    criar produções impecáveis; trata-se de abrir portas para quem, historicamente,
    foi deixado do lado de fora. Isso significa acolher corpos diversos, estilos
    autênticos, idades diferentes, e permitir que cada um se sinta visto e
    representado.

    Ao longo dos anos, o evento já revelou talentos, deu
    visibilidade a empreendedores locais e construiu pontes entre comunidades e o
    mercado. Ao integrar oficinas, mentorias e oportunidades reais de networking,
    Aline mostrou que o MGFW é um projeto vivo, que respira inclusão e potencializa
    carreiras.

    Mas empreender sendo uma mulher negra é atravessar um campo
    minado diariamente. A ausência de apoio financeiro, o racismo institucional, a
    solidão da liderança... Tudo isso fez parte do processo. “Já pensei em
    desistir. Mas tinha algo maior me guiando. Eu sabia que não era só sobre mim.”

    Como escreveu Djamila Ribeiro:

    “Não é vitimismo. É
    resistência. Porque continuar viva, sendo mulher negra, é político.”

     

    ENTRE O EMPRESARIADO E A VIDA REAL: A MATERNIDADE ATÍPICA
    COMO ESCOLA DE FORÇA

     

    Foto Acervo pessoal :Aline e seu filho Guilhermo


    Entre um desfile e outro, Aline precisava dar banho, levar
    em terapias, lidar com crises sensoriais. Seu filho, Guillermo, é
    neurodivergente, e essa condição transformou tudo. Inclusive a forma como ela
    empreende.


    “A maternidade atípica não é um conto de fadas. É
    amor, mas também cansaço, sobrecarga, renúncia. Muitas vezes me vi à beira do
    esgotamento. Mas meu filho me fez ver o mundo com outros olhos.”


    Aline teve que adaptar toda sua rotina de trabalho para
    cuidar de Guillermo, que hoje tem 13 anos. E mesmo diante das exigências, ela
    se recusa a romantizar:

    “Empreender como mãe atípica exige apoio,
    informação e coragem. E, principalmente, parar de acreditar que estamos
    sozinhas.”

     

     LUTO E RECOMEÇO: A
    DOR DA PERDA, A FORÇA DO LEGADO

    A mãe de Aline faleceu de câncer em outubro, mês em que o
    MGFW aconteceria. Entre viagens internacionais, reuniões com agências e a
    organização do evento, Aline dividia seus dias entre ambulâncias, internações e
    o medo da perda iminente.

    “Ela já delirava, mas um dia olhou pra TV e disse:
    ‘Minha filha, olha você ali na entrevista’. Aquilo me marcou. Era ela dizendo:
    continua.”

     

    Foto Acervo pessoal : Dona Odete Cândido

    E ela continuou. E transformou a dor em potência. A edição
    de outubro do MGFW virou uma ação social voltada para o Outubro Rosa, com
    doações de lenços, turbantes, leite para crianças em tratamento, e parcerias
    com instituições como Hospital da Baleia e CAPE.

    “Ressignifiquei a dor. Porque minha mãe sempre
    dizia: vamos em frente, que atrás vem gente.”
    

    UM PALCO DE TRANSFORMAÇÃO: O MGFW COMO FERRAMENTA DE
    IMPACTO SOCIAL

     

    Hoje, o MGFW é mais que um evento. É um movimento. É onde a
    moda abraça a diversidade, onde a representatividade é regra, e onde jovens
    periféricos encontram visibilidade.

    Aline atua em curadorias que prezam por corpos reais, por
    inclusão racial e por narrativas plurais. Cada edição é pensada com um olhar
    social, com espaço para projetos educativos, palestras, e conexões com redes de
    apoio.

     

    “A moda não pode ser só
    estética. Ela precisa ser ferramenta de transformação.”

     

    Foto Acervo pessoal :Agência MGFW


    REFERÊNCIAS, FUTURO E O SONHO QUE AINDA NÃO TERMINOU

    Perguntada sobre suas referências, Aline responde com o
    coração:

    “Minha mãe. E todas as
    mulheres negras que sonham mesmo com pouco. No mundo da moda, admiro quem rompe
    padrões, quem cria com alma.”

    Ela sonha alto. Quer expandir o MGFW para outros estados,
    quer criar um centro gratuito de formação para jovens criativos das periferias,
    e também deseja ter mais tempo para si. “Quero cuidar de mim, da minha saúde,
    da minha espiritualidade. A gente também precisa florescer por dentro.”

     

     PALAVRAS PARA QUEM

     

    “Se eu pudesse dizer algo para a Aline de 10 anos atrás,
    eu diria: vai com medo mesmo. Você não imagina a força que tem.”

     

    E para as mulheres negras que leem essa matéria hoje, Aline
    deixa uma mensagem que ecoa como um grito suave, porém firme:

     

    “Acredite no seu caminho. O
    mundo tenta dizer que não é para você, mas é. Empreenda com coragem. Erre.
    Aprenda. Mas não desista. Porque quando a gente levanta, a gente puxa outras
    com a gente.”

     

     UMA MULHER QUE ABRE CAMINHOS

     

    Aline Medlley é o tipo de mulher que não só
    transforma o lugar onde pisa, mas planta árvores para que outras descansem à
    sombra. Sua história inspira porque é real. É feita de batalha, afeto,
    superação e propósito.

    E no final, quando ela olha para a
    passarela, o que ela enxerga não são apenas roupas ou flashes. Ela enxerga
    gente. Histórias. Futuro. E o futuro, definitivamente, passa pela coragem de
    mulheres como ela.

    Em um Brasil onde as mulheres negras ainda ocupam pouco
    espaço em cargos de liderança, a presença de Aline Medlley no centro de um
    evento consolidado é uma resposta poderosa. Sua trajetória prova que, mesmo com
    obstáculos, é possível criar, inovar e influenciar sem abrir mão da identidade
    e dos valores.

     

     “Eu sou livre porque me conheço, e quem se conhece não
    aceita qualquer coisa.” — Conceição Evaristo


    O caminho que Aline percorre é feito de luta, propósito e
    amor pelo que faz. Sua história mostra que empreender não é apenas construir
    algo próprio, mas também transformar o meio à sua volta, inspirando outras
    mulheres — especialmente mulheres negras — a ocuparem seus espaços e
    acreditarem no próprio potencial.

     

    E no brilho das passarelas do MGFW, o que se vê não são
    apenas modelos desfilando, mas histórias inteiras ganhando visibilidade.
    Histórias que, como a de Aline, provam que quando uma mulher negra decide
    empreender, ela não muda só a própria vida — ela muda o mundo.

     

     




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