Adri Fernandes

Há beleza em todos nós.
A distorção de imagem te leva a caminhos perigosos

Dias atrás estava no vestiário do clube, quando uma senhora pediu que tirasse uma foto sua. Ela havia pedido a outra pessoa, mas não gostou, reclamou que a imagem estava longe.
Antes que eu desse o primeiro clique, ela pediu um momento e ensaiou uma pose empinando o popô de tal modo que parecia ter escoliose. Notei que era vaidosa, então ensinei algumas poses e fiz os cliques. Ficou maravilhada! Agradeceu muito e fui continuar me arrumando.
- Ah, apareceu uma gordurinha aqui.
- Você não acha que estragou a foto?
- Não! De jeito nenhum!
- Ah, é que... Eu sou assim, gosto de tudo muito perfeito.
Foi só nesse momento que me dei conta de reparar aperfeitinha.
Nada nela era minimamente interessante. Mulher comum, como qualquer uma de nós, e até um pouco estragadinha. E isso não é demérito, é natural pela idade que parecia ter. O bronze estava lindo, mas o cabelo, as unhas, o rosto, o corpo... Evitarei adjetivar. Ah, e o motivo de empinar tanto as nádegas, era porque não tinha bun**. E tá tudo bem também, faz parte. Agora,o biquini, santamariamãedejesus!, era pelo menos 2 tamanhos menores que o real.
Reparando bem, olhando com rigor, ela não passou no meu conceito mínimo de mulher bonita, que dirá perfeita. Mas quem sou eu na fila do pão, não é mesmo?!
Esse episódio nos conduz a uma reflexão sobre distorção da autoimagem, que pode inclusive ser sintoma de, ou evoluir para, transtorno mental e que alcança até adolescentes.
Não vou entrar no mérito da pressão por corpos padrão, porque quero falar é sobre o que podemos fazer de dentro para fora, sobre aquilo que só depende da gente.
Manequins e modelos profissionais fashion, com focoem passarela e em grandes marcas, estas sim precisam de um corpo perfeito. Bonito? Não necessariamente, mas perfeito no sentido de harmonia e medidas, que não dão margem para aparecer nem um tico de gordurinha. Aqui, o critério começa pela altura, se a mulher não tem mais de 1,70m, tá fora!
Já as manequins e modelos profissionais comerciais, com foco em publicidade e figuração, não precisam ter o corpo das fashion. Muito pelo contrário! Aqui, as marcas pedem corpos comuns, pessoas “normais”, com qualquer estética. Mas mesmo aqui há relativa exigência com altura, não com tipo de corpo.
Voltando à dita cuja sem bun**, qual o sentido da preocupação excessiva com o aparecimento de uma gordurinha insignificante na cintura? Ela não é, e jamais seria, modelo fashion, pois não tem altura para isso, é pouco menor que eu, que tenho míseros 1,5m.
O sentido é a visão distorcida de si mesma. É claro que não nos vemos da mesma forma que terceiros o fazem, mas é importante, para nossa saúde mental, estarmos bem próximo da realidade quando o assunto é auto-avaliação. Pessoas se matam em muitos casos de não aceitação de corpos que nem são feios, mas cuja insatisfação gera uma frustração impossível de ultrapassar.
https://50cinquentando.com.br/verdade-por-tras-da-distorcao-de-imagem/
É decepcionante, não importa o nível de relacionamento, ver a imagem de alguém nas redes sociais e perceber que pessoalmente não é aquilo. E se ela dissimula a própria imagem, o que mais na vida ela finge não ser ou não saber? Se você esconde a si mesmo, será alguém confiável?
Quando atendia como hipnoterapeuta, tinha uma grande clientela de mulheres com problemas emocionais relacionados à baixa autoestima. Várias delas relatavam sofrimento experimentado por terem vivenciado rejeição em encontro amoroso em razão da diferença em relação às fotos que divulgava no perfil. Apenas uma delas consegui convencer de utilizar fotos reais, de preferência as piores. Óbvio que houve relutância, mas ante meu argumento de “experimento social”, ela cedeu. E para minha satisfação, aconteceu o que eu esperava, poucas semanas depois, em um encontro amoroso, ela ouviu “Nossa! Você é bem mais gata pessoalmente!”. Para quem andava escutando “Você não é a pessoa que eu esperava!” e “Você é muito mais gorda do que parece na foto!”, ouvir que é mais bonita pessoalmente é o suprassumo da vitória. Foi comovente quando ela disse que poder ser como é, sem esconder seu corpo, sem usar tantos filtros, sem se preocupar em agradar ao outro, havia tirado de suas costas um peso imenso.
Mulheres como ela vivem em função de uma estética inalcançável e são vítimas de todo tipo de golpes com promessas de corpo assim ou assado.
É isso, em busca de parecer quem não somos, parecer como não somos, gastamos uma energia preciosa que pode muito bem ser direcionada para aperfeiçoar de verdade quem e como somos. Aceitar-se como é não é ver-se "feia" e não se importar com sua aparência. Aceitar-se é ver-se “feia” e saber que é linda, é ver-se linda apesar de “feia”, é fazer-se linda cotidianamente sabendo que sua “feiúra” é um fator que compõe sua beleza. Não vou conseguir traduzir essa maluquice para você, caro leitor. Somente entende-se isso, vivendo assim, praticando um pouquinho todo dia, sobre seu corpo, seu cabelo, seus dentes, sobre tudo que há em você.
E ainda tem o fato de que, focando apenas em uma questão, você perde a noção do todo, como aconteceu com a pessoa que fotografei no vestiário do clube. É sobre isso: se você não é uma modelo e manequim fashion, aquilo que você vê como defeito é charme para muitas outras pessoas. Amplie sua capacidade de percepção de mundo e de vida. Isso é um dos itens que compõem a base para ser feliz.
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